quarta-feira, 25 de junho de 2008

A Prática da Investigação

Prática investigativa: alguns aspectos para o entendimento da prática investigativa em educação

A inquietação com a explicação científica do fenómeno educativo, tem dado origem a diferentes projetos investigativos que nascem no seio de perspectivas epistemológicas distintas.
Alguns projetos investigativos partem do entendimento de que o real só passa a ter sentido quando ele se torna real de pensamento, isto é, real de razão, real submetido a todo um tratamento abstracto, conceptual. Tal perspectiva epistemológica está fundada no argumento de que os sentidos e a experiência podem conduzir ao erro, não tendo, portanto, condições de assegurar o conhecimento da realidade. Nessa lógica, que afirma a fragilidade dos sentidos para produzir informações universais sobre o real, o pensamento, entendido como racionalidade explicativa e, não como racionalidade significativa, própria do campo da filosofia, aparece como única possibilidade de dar conta da realidade, pois essa pode ser pensada como um conceito, como uma construção ideal, não no sentido de uma construção utópica, mas no sentido de uma construção da idéia que afasta a descrição das qualidades do real para falar do real em sua singularidade universal.
A possibilidade de tal argumento está no entendimento de que a razão não precisa de provas empíricas, provas da experiência para assegurar a validade explicativa do discurso sobre a vida, o mundo e o homem. A razão garante o conhecimento sobre o real, pois protege o conhecimento dos equívocos da experiência, do engano dos sentidos.
Para outras correntes investigativas, diferentemente da idéia da apreensão racional da realidade sensível, o próprio real dá o seu sentido, ele mostra o que é, sem auxílio da razão entendida como condição fundamental para a construção racional da explicação sobre o mundo real. Nessa perspectiva, a experiência é o caminho adequado para corrigir os sentidos, aperfeiçoando-os para revelar a verdade. Entende-se como fundamental a abolição dos argumentos abstratos, próprios da argumentação dedutiva. O caminho para o conhecimento do real é o trajeto indutivo, ou seja, a busca da generalização com o apoio da empiria, da experiência.
Nessa lógica, a experiência é fonte legítima para o conhecimento da verdade. A consciência cognoscente busca os seus conteúdos, exclusivamente, na experiência. Todos os conceitos, incluindo os mais gerais e abstratos, procedem da experiência. A explicação do real começa “.... por percepções concretas, chegando, paulatinamente, a formar representações gerais e conceitos elaborados organicamente, a partir da experiência, não existindo completos no espírito e não se formando com total independência da experiência...”. (Leite et al, 2004: 1326). A preocupação é com a apreensão das informações sobre a vida, o mundo e o próprio homem a partir do encontro com as condições objectivas da própria vida, do próprio mundo e do próprio homem. O conhecimento seguro da realidade, portanto, é garantido pelas informações produzidas no campo da experiência, com o auxílio dos sentidos.
Certamente, essa disputa encontra uma alternativa epistemológica, que busca conciliar os dois caminhos – o da razão e o da experiência – ao argumentar que a experiência e a razão são condições centrais no processo de conhecimento da realidade. Para essa perspectiva, o sujeito cognoscente é portador de duas faculdades fundamentais: a sensibilidade e o entendimento, os sentidos e a razão. Afirmar essas duas dimensões como fundamentais para o conhecimento do real é dar lugar à razão e aos sentidos no processo de conhecimento da realidade. No entanto, apesar do esforço dessa perspectiva epistemológica, ela não significa o fim desse confronto entre concepções empirista e racionalista de conhecimento. Na prática investigativa contemporânea,

“... a origem do conhecimento da verdade ainda divide cientistas e filósofos. Esta divisão, certamente, decorre de formas diferentes e contraditórias de entendimento do mundo relativas a perspectivas ontológicas e antropológicas distintas e que atingem todas as dimensões da ação humana.” (Leite et al, 2004: 1328)

Mas, além das concepções epistemológicas, e mais determinantes que as definições epistemológicas, estão a história da relação dos homens entre si e a história da relação dos homens com o mundo. Considerar essa história é condição necessária para o entendimento não só do significado da ciência bem como do processo de produção do conhecimento. No entanto, esta relação não é linear. Buscar essa linearidade impede a compreensão do processo em sua dinâmica intrínseca e extrínseca. Assim, para o entendimento da actividade epistemológica, considerar a historicidade da existência humana é fundamental, mas, de forma nenhuma, os factos históricos são capazes de por si mesmos, elucidar o significado do trabalho de conhecimento do real.
Buscando, então, alguns elementos do contexto epistemológico, elementos capazes de indicar, ainda que de forma muito geral, o significado epistemológico do conhecimento científico, é preciso tratar de um tema recorrente: a Modernidade.
O tempo da Modernidade significou um momento novo para a sociedade, alterando radical e indiscutivelmente, toda a sua dinâmica, estrutura e rotina. No que diz respeito à dimensão humana do pensamento, a Modernidade foi um momento de concretização da ruptura com o modelo existente de conceber o mundo, a sociedade e o humano, ou seja, foi um tempo de negação da forma como a realidade era concebida, subvertendo a idéia dualista que afirmava o lugar da realidade, de um lado e o lugar da transcendência, do pensamento, da razão, de outro lado. Tal subversão, a rigor, significou colocar o homem e o divino na mesma posição no processo de entendimento e de afirmação do mundo. O humano passou a decifrar “os segredos da natureza” (Cassirer, 1994: 72). Tal pretensão foi negada pela tradição religiosa já que o dogma religioso da verdade em Deus estava ameaçado. Embora, para os cientistas o mundo ainda fosse uma manifestação da divindade, o seu entendimento passava a exigir uma razão esclarecedora, matematizante, universal, que logicamente se opunha ao discurso da revelação, retirando-lhe o monopólio da autoridade do saber, a responsabilidade total pelo conhecimento humano. E, mais do que isso, a razão estabeleceu-se como crítica da revelação, linguagem composta em palavras sujeitas a ambiguidades e a variadas interpretações (Cassirer, 1994).
Na Modernidade, então, a verdade abandona o terreno da revelação para situar-se no próprio mundo; e, mais grave ainda, a verdade passa a ser objecto de disputa humana, embate travado, não mais na submissão à autoridade religiosa, mas empreendido através de uma criação mais autónoma na esfera da linguagem matemática e da experiência. As formas de compreensão do humano, por sua vez, foram buscar suas orientações gnosiológicas, epistemológicas e metodológicas nesse novo processo de entendimento do que é a natureza. Tornado sujeito do conhecimento, sujeito genial, conquistador de sua independência, o homem passou a ser, ele próprio, criativo e explorador. Nessa perspectiva, deu-se a construção da consciência de que, com as armas do método e do rigor matemático, tudo estaria ao alcance do homem, definitivamente feito sujeito de razão – sujeito de sua razão. E, nessa lógica, o próprio homem foi tornado objecto da razão, de uma razão metódica, matemática, empírica.
Nesse contexto de valorização do humano, de afirmação da razão no processo de conhecimento do mundo, discussão que ficou centrada no homem em si, como uma categoria independente, absoluta, universal, o Marxismo introduziu, de forma definitiva, a categoria da historicidade. A história das relações que os homens estabelecem entre si e das relações que os homens estabelecem com a natureza passou a explicar o mundo, a sociedade e o homem. O sujeito não é a consciência individual de um real desenraizado, que aparece como fenômeno de consciência, mas é definido pela materialidade das relações económicas que o determinam e à sua existência social. A perspectiva marxista faz do sujeito do conhecimento um sujeito histórico, dotado de uma consciência histórica que é engendrada e determinada pelas relações sociais materializadas na luta de classes.
Considerando, particularmente, a prática da investigação científica em educação como está sendo realizada actualmente reacendeu, ainda que não explícita ou intencionalmente, o debate entre empirismo e racionalismo no campo do conhecimento em educação. A retomada do debate sobre a origem da verdade, verdade entendida como empreendimento construído, provisório, relativo e possível para se falar da vida, do mundo e de si, torna-se presente na reflexão sobre o processo de produção do conhecimento em educação na medida em que o projeto actual de investigação em educação tem valorizado a vivência das experiências pedagógicas como discurso científico sobre a prática educativa.
A insatisfação com os resultados das pesquisas que valorizam a experiência do concreto, a construção subjectiva do real, a vivência privada, singular, isolada como discurso sobre a realidade, leva a questionar a natureza do fazer investigativo em educação. Uma das alternativas que se apresenta como capaz de contribuir no trajecto de construção de uma nova perspectiva na pesquisa em educação é definir o trabalho investigativo, a pesquisa em educação como acção de conhecimento. Entender a pesquisa em educação como acção de conhecimento é partir de um pressuposto epistemológico diferente do tradicional. A rigor, é buscar uma discussão alternativa sobre o processo de produção do conhecimento desenvolvido na prática de pesquisa em educação. Elementos para essa discussão alternativa encontramos, particularmente, na discussão sobre o método científico em Marx.

Retirado e Adaptado de Borba, S; Portugal, A.D.; e Silva, S.R.B. (2008). Pesquisa em educação: a construção teórica do objeto. Ciências & Cognição, Vol 13, n. 1, pp. 12-20, março. Disponível em www.cienciasecognicao.org

Referências Bibliográficas
Cardoso, M.L.(1978). Ideologia do desenvolvimento: Brasil:JK-JQ. 2a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Leite, S. B.; Neves, R.M.; Nascimento Filho, L.D.; Machado, J.C. e Borges, M.A. (2004) Pesquisa em educação e conhecimento científico, o problema ainda atual da verdade no debate teórico . Em: Anais do XII Endipe. Curitiba : Champagnat, v. 1. (pp. 1319-1331).

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Este espaço, aberto a todos os colegas e Professores do Mestrado em Supervisão Pedagógica 2007/2009, da Universidade Aberta, pretende consignar temas e reflexões sobre vivências, experiências e novas aprendizagens, no âmbito da unidade curricular de Investigação Educacional.